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Com delivery de chope e dark kitchen, dona de Pirajá e Bráz revê modelo de negócio

Se o setor de bares e restaurantes tinha uma certa resistência à digitalização, confiante que era no seu tradicional modelo de negócio de atendimento presencial num bom ponto físico, poucas convicções restaram após o impacto da pandemia de covid-19. Agora, os estabelecimentos de alimentação fora do lar precisam descobrir como trazer de volta o cliente que se afastou por questões de segurança – mas também continuar agradando àquele que se habituou a receber boa comida e bebida dentro de casa.

“A gente diz que tem que se transformar numa empresa de entretenimento gastronômico casual aonde os nossos clientes quiserem”, diz um dos sócios-fundadores da Cia. Tradicional do Comércio, Ricardo Garrido, em entrevista exclusiva à Mercado&Consumo. A Cia. Tradicional do Comércio é dona de Bar Original, Pirajá, Astor, Lanchonete da Cidade, Bráz Pizzaria e Ici Brasserie, além de suas submarcas.

Garrido reconhece que o setor era “atrasado” do ponto de vista da transformação digital, mas tirou planos da gaveta e criou serviços e produtos para se adequar ao novo momento. “Todo mundo tem que tentar ser um ‘pouco Google’. Você tem um canal de relacionamento, o consumidor coloca suas questões lá e fala para o restaurante: ‘Pirajá, eu quero isso, você pode resolver?’. Se você não resolver, alguém vai resolver”, afirma.

Na entrevista à Mercado&Consumo, o executivo falou das mudanças implementadas do ano passado para cá, da reformulação do modelo de negócio e das habilidades necessárias, neste novo momento, para quem atua no setor. Confira, a seguir, os principais trechos da conversa.

Mercado&Consumo: O que a Cia Tradicional do Comércio era antes da pandemia e o que ela é hoje, tanto em termos de tamanho quanto de inovação?

Ricardo Garrido: A grande diferença de antes e depois da pandemia é que, se a gente for avaliar, o setor de varejo de uma maneira geral, e mais especificamente o de bares e restaurantes, era bastante atrasado do ponto de vista de transformação digital e de vivência na prática, da execução, dessa transformação. O nosso setor sempre foi um pouco reticente em assumir realmente de corpo e alma esse assunto, sempre utilizando a tecnologia de uma maneira marginal e não questionando seu modelo de negócio.

Bares e restaurantes sempre acreditaram que são espaços muito ligados ao ponto, à localização, e que é ali que eles vão atrair os seus clientes para fazer sua atividade principal. O processo de digitalização estava provocando a gente a questionar: será que é isso mesmo? Será que o que vocês sabem fazer de melhor depende dessa questão de localização, de ponto, de ambiente, única e exclusivamente? Será que no mundo de hoje, depois da revolução tecnológica, o restaurante é um lugar estático? Ou ele deveria se posicionar de uma maneira um pouquinho mais digital num sentido mais amplo?

Isso já vinha acontecendo por exemplo com um dos vetores de transformação do mercado, que é o delivery, a entrega em domicílio, que vinha crescendo bastante nos períodos anteriores. Mas a pandemia veio provocar uma reflexão radical a ponto de a gente definitivamente entender que o mundo de hoje pede que marcas e serviços sejam prestados de uma maneira muito mais abrangente. Eu acho que essa é a grande reflexão do antes e o depois. Antes a gente dizia que era uma empresa de entretenimento gastronômico casual fora do lar. Hoje em dia a gente diz que tem que se transformar numa empresa de entretenimento gastronômico casual aonde os nossos clientes quiserem. Essa mudança de visão tem uma série de impactos inclusive no modelo de negócios e é a base das discussões que a gente tem nesse momento na empresa.

Depois de passado esse período assustador de reconectar o setor, de certa maneira essa visão é um pouco libertadora também. A questão do ponto para o varejo e para o nosso setor especificamente sempre teve um peso muito grande, tanto de custo, quanto de achar o ponto certo – qual o ponto certo para cada conceito, cada objetivo, cada marca de bar e restaurante. E poder se libertar um pouco disso, poder pensar de uma maneira mais aberta, que um bar ou restaurante pode fazer mais do que uma experiência física no lugar, eu acho que de certa maneira é revolucionário. Bares e restaurantes como eles eram antes vão continuar existindo. Mas eles vão estar diferentes, vão assimilar inteligências diferentes. Provavelmente não vão fazer um serviço só, que é o serviço no local, eles vão pensar também em atender consumidores fora do restaurante. Eu acho que novas possibilidades realmente se abriram para a gente pensar. O roadmap é grande e a gente tem que fazer isso com calma porque tem uma série de impactos no modelo de negócio, na estrutura, na mão de obra, na tecnologia.

Mercado&Consumo: O que mudou exatamente quando se fala em modelo de negócio e onde vocês enxergam possibilidades?

Ricardo Garrido: Se a gente pensar por um momento com um pouco mais de profundidade sobre o modelo de negócio tradicional de um bar ou restaurante, ele tem um local, tem um ambiente em que ele compra, produz e vende e tem que fazer o melhor trabalho possível para atrair o seu cliente até lá. E tudo o que a gente faz, todo o nosso know how, toda a tecnologia embarcada, todo o talento, tudo é voltado para essas atividades dentro desse modelo de negócio.

A partir do momento que a gente tem de pensar de uma maneira um pouco mais abrangente, não só necessariamente atrair clientes para o nosso lugar, mas também levar coisas para outros lugares, a gente começa a mudar esse modelo de negócio. O modelo de relacionamento com o consumidor muda, de produção, de entrega, de canal. O nosso canal de venda era o restaurante físico, o garçom interagindo e entregando ao vivo aquele pedido que o cliente estava fazendo. Do delivery para outras possibilidades que a gente pode fazer, você tem modelos de relacionamento, de produção e de entrega daquele seu produto ou serviço que são novos.

O caso mais óbvio de transformação hoje em dia é você ir num restaurante, chegar na porta e haver mais motoqueiros parados esperando para levar comida para a casa das pessoas do que clientes esperando por uma mesa. Você tem ali uma experiência que está totalmente já mexida pela presença daquela turma que está trabalhando para viabilizar um serviço que o restaurante está prestando para um outro cliente que está em casa. Então existem desde impactos que parecem banais, mas são importantes, como esse, até alguns outros mais profundos, de skills, de talentos que você tem de ter dentro da equipe para trabalhar com demandas novas que o consumidor está trazendo. Eu acho que existe um tempo que todo o nosso setor está precisando para entender quais são esses requisitos, quais são as despesas envolvidas, quais são os investimentos necessários para que a gente consiga fazer bem e melhor do que a gente fazia anteriormente. Todo nós estamos envolvidos nesse momento, mas ainda num período transitório de tentar enxergar quais são as coisas mais relevantes para os nossos clientes e tentar fazer isso da maneira mais racional e mais qualificada possível para eles, que no final das contas vão decidir o que é relevante e como querem.

Mercado&Consumo: Quando você está falando de novos skills, isso tem relação com a transformação digital e o fato de as pessoas pensarem na tecnologia como parte do negócio?

Ricardo Garrido: Em todas as áreas do negócio o raciocínio que a gente tem de ter é mais digital do que analógico, mesmo que em algum momento do relacionamento que a gente tem com o consumidor exista uma questão física, um componente físico. O relacionamento com o cliente tem de ser mais digital, mais rápido, mais preciso, mais flexível, tem de poder mais do que o relacionamento físico podia. Eu acho que todo mundo tem que tentar ser um ‘pouco Google’. Você tem um canal de relacionamento, o consumidor coloca suas questões lá e fala para o restaurante: ‘Pirajá, eu quero isso, você pode resolver?’. Se você não resolver, alguém vai resolver. Eu acho que o mindset digital é um pouco isso: pensar em todas as outras entregas de uma maneira mais digital nesse sentido de velocidade, de flexibilidade, de resolver.

Mercado&Consumo: Vocês chegaram a fechar definitivamente algumas unidades?

Ricardo Garrido: A gente fechou três unidades, duas no Rio de Janeiro e uma em São Paulo. Mas por incrível que pareça no período da pandemia a gente abriu três novas unidades. Então a gente tem o mesmo número de casas que a gente tinha antes, 43, entre as nossas seis marcas diferentes, Bar Original, Pirajá, Astor, Lanchonete da Cidade, Bráz Pizzaria e Ici Brasserie, e as variações que essas marcas têm, as submarcas delas. A gente abriu três casas que estavam em processo de obra, de construção ou em de implantação pré-pandemia. Então elas estavam com no mínimo 50% dos investimentos já feitos.

Outra criação é uma tese um pouco mais digitalizada: é uma marca nova que a gente criou, chamada Devoro, que tem o que hoje em dia se chama de dark kitchen. É uma cozinha não identificada que produz só para entrega em domicílio, no trabalho, fora do restaurante. A gente faz os melhores pratos das nossas seis marcas e entrega tudo isso para o consumidor no mesmo pedido, na mesma compra, no mesmo momento. Então você pode pedir uma pizza, um hambúrguer e uma salada de três marcas diferentes nossas de bares e restaurantes, que saem do mesmo lugar, são feitas no mesmo lugar e por isso elas chegam juntas para a sua casa para acabar com aquele problema de um estar com vontade de comer pizza, outro quer comer hambúrguer, outro estar de dieta e querer comer só uma salada.

Era uma coisa que a gente nunca tinha imaginado. Mas foi uma das criações que a gente fez nesse período. Começamos a ampliar esse conceito para produtos que nunca a gente tinha pensado em entregar, como chope em growlers, que são garrafões de dois litros, já gelados, com gelo do lado. A gente nunca tinha imaginado entregar chope na casa das pessoas. A gente desenvolveu um produto também no meio da pandemia, uma ideia que a gente até tinha mapeado já, mas nunca tinha pensado em fazer, que é um pizza da pizzaria Braz pré-assada, mas não totalmente pronta, que é congelada e entregue na sua casa por delivery e pode ser finalizada num forno convencional. Ela fica com uma qualidade superior à da pizza que viaja pronta no delivery. A gente acha interessante essa possibilidade e está fazendo isso com outros produtos, como coquetéis.

Mercado&Consumo: Como você acredita que será o futuro de bares e restaurantes?

Ricardo Garrido: O bar e o restaurante do presente, mas acima de tudo do futuro, vai ter de encarar um pouco mais esse hibridismo, essa necessidade de tentar atender às demandas dos seus clientes de uma maneira muito mais ágil, completa, aberta, do que necessariamente exigir que esse consumidor venha até determinado lugar na hora combinada, daquele jeito, com aquele cardápio. Eu acho que os bares e restaurantes vão ter de ser muito mais ágeis, muito mais flexíveis, muito mais a favor da demanda do consumidor, da demanda do cliente, esteja ele onde estiver, queira ele o que quiser. Lógico que existem limites. A gente não é capaz de fazer tudo, de atender a todas as demandas. Mas podemos fazer de uma maneira muito mais aberta e se desconectar definitivamente da obrigação de ter o pensamento meio binário. O restaurante do futuro é totalmente aberto para atender ao cliente da maneira que ele quer, fazendo o seu melhor.

Imagens: Divulgação