No fim de 2014, o zootecnista Eder Bublitz assumiu o cargo de diretor técnico da Ceasa Curitiba e se deparou com um cenário alarmante: cerca de 60 toneladas diárias de frutas, legumes e verduras eram descartadas nos aterros sanitários. Vindo de uma família de pequenos agricultores do interior do Paraná, ele ficou impactado com a quantidade de alimentos desperdiçados, muitos ainda próprios para o consumo. Diante desse desafio, Eder decidiu transformar sua indignação em ação.
Foi assim que, em parceria com Jaqueline Macedo, ele idealizou um projeto para destinar esses alimentos a quem mais precisa. Em abril de 2020, nasceu o Banco de Alimentos Comida Boa, iniciativa que vem crescendo ano após ano e ampliando sua atuação em todas as cinco unidades da Ceasa no Paraná.
Combate ao desperdício e impacto social
Somente em 2023, o programa conseguiu evitar o desperdício de 5,3 mil toneladas de alimentos. Em 2024, esse número subiu para 7,5 mil toneladas, e a expectativa é que o impacto continue aumentando. O funcionamento do Banco de Alimentos Comida Boa é simples e eficiente: os comerciantes doam produtos que, antes, seriam descartados. Esses alimentos são cuidadosamente selecionados por uma equipe especializada e cerca de 70% do total arrecadado é destinado ao consumo humano.
Após a higienização, os vegetais são processados para prolongar sua vida útil. Alguns são cortados, ralados e congelados, enquanto outros viram polpas, sucos, molhos e compotas. Esses produtos são então distribuídos para cerca de 350 instituições sociais em todo o estado, incluindo creches, orfanatos, asilos, casas de recuperação e hospitais públicos, beneficiando aproximadamente 1,3 milhão de pessoas direta e indiretamente.
Aproveitamento total: nada se perde
Quando os alimentos não estão aptos para o consumo humano, eles são direcionados a organizações de bem-estar animal. Todos os meses, 25 toneladas de vegetais alimentam cerca de 4 mil animais de mais de 200 espécies, muitas delas silvestres, resgatadas de situações de abandono e maus-tratos. Tucanos, araras, macacos e até onças-pintadas são reabilitados e devolvidos à natureza, ajudando a recompor o bioma da Mata Atlântica.
E mesmo o que sobra desse processo não vai para o lixo. A Ceasa Paraná firmou parceria com a companhia de saneamento do estado para transformar resíduos orgânicos em bioenergia, garantindo um ciclo sustentável para os alimentos que antes seriam descartados.
Capacitação e ressocialização
Além de combater o desperdício e a fome, o Banco de Alimentos Comida Boa também atua como um programa de capacitação e ressocialização. Toda a operação do projeto, com exceção da equipe administrativa, é realizada por cerca de 80 apenados do sistema penal paranaense. Eles recebem salário-mínimo, vale-refeição e décimo terceiro salário, além de adquirirem experiência profissional. O impacto positivo é significativo: atualmente, o índice de ressocialização do programa é de 70%.
Reconhecimento nacional e internacional
Com um custo anual de R$ 2,5 milhões para os cofres públicos estaduais, o Banco de Alimentos Comida Boa vem chamando a atenção dentro e fora do Brasil. Representantes de países como Alemanha, México, Paraguai, Chile, Bolívia e Peru já visitaram a Ceasa Paraná para conhecer a iniciativa. Em 2023, o programa foi apresentado na Organização das Nações Unidas (ONU) como um exemplo de política pública eficaz no combate à fome e ao desperdício de alimentos.
Além disso, o projeto recebeu um reconhecimento importante: a medalha de ouro do Stevie Awards, um dos prêmios empresariais mais relevantes do mundo, que homenageia iniciativas de impacto social em 62 países.
O papel das Ceasas no combate ao desperdício
Criadas entre as décadas de 1960 e 1970 pelo governo federal, as Centrais de Abastecimento (Ceasas) têm um papel essencial na distribuição de alimentos e no equilíbrio da oferta e demanda no Brasil. No entanto, o desperdício ainda é um problema significativo nesses entrepostos. Para mapear as melhores práticas e incentivar soluções eficazes, o Pacto Contra a Fome firmou, no fim de 2024, um acordo com o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar para estudar iniciativas de combate ao desperdício nas Ceasas do país.
Essa adaptação foi inspirada na matéria original publicada pela Neofeed