FoodBiz

Visitamos o Centro de Inovação da Cargill, o único da América Latina

 

Comida também é ciência. Quem passa pelos corredores dos supermercados, empurrando o carrinho entre gôndolas repletas de latas de molho de tomate, potes de maionese e frascos de óleo de soja quase sempre ignora o enorme volume de pesquisa e desenvolvimento que há por trás de cada produto alimentício.

Para os desavisados, talvez seja ainda mais surpreendente descobrir que boa parte dessa pesquisa é levada a cabo por uma empresa de mais de 150 anos. Fundada em 1865, no estado do Iowa, no coração do Meio-Oeste americano (a sede hoje fica no vizinho Minnesota), a Cargill é uma gigante multinacional de 150 mil funcionários distribuídos por 70 países, com braços nos setores alimentício, agrícola, financeiro e industrial.

Dona de marcas conhecidíssimas do consumidor brasileiro, como Liza e Pomarola, a empresa aportou no país em 1965 e investe também no mercado de foodservice por meio de novas soluções e na ampliação do seu portfólio. Em 2011, inaugurou um centro de inovação em Campinas, o único do gênero na América Latina, a um custo de R$ 20 milhões.

“A Cargill possui 14 Centros de Inovação espalhados pelo mundo. Com capabilities complementares e grande conectividade entre eles”, explica Cristina Martins, gerente de aplicação. “Trabalhamos de forma regional e também global e todos os nossos Centros de Inovação estão disponíveis para os nossos clientes, buscando acelerar o processo de desenvolvimento de novos produtos.”

Um mapa-múndi estilizado e colorido, localizando todos esses 14 centros, decora a entrada do prédio, instalado no Polo II de Alta Tecnologia da cidade, a cerca de 100 km da capital paulista. Na maior parte do tempo, o acesso é restrito aos cerca de 50 colaboradores (entre funcionários e terceirizados) que trabalham no espaço, mas a Cargill gentilmente abriu uma exceção – e as portas – para a equipe do Foodbiz.

Nosso tour começou na sala de Focus Group, usada em discussões de grupo para colher informações junto a consumidores, desenvolver conceitos iniciais e mapear aspectos relevantes a cada tipo de produto. O tema pode ser um protótipo ou o mockup de uma embalagem, por exemplo. Um moderador direciona o debate. Na parede, um espelho transparente (como naquelas salas de interrogatório das séries policiais) permite a quem está do outro lado acompanhar tudo o que ocorre no local, equipado com sistema de áudio e vídeo para que as sessões sejam gravadas.

Próximo dali, um segundo espaço é destinado a análises sensoriais, quantitativas.

É uma área mais reservada, com quatro cabines individuais para a realização de testes às cegas, com técnicos ou consumidores (voluntários) avaliando amostras preparadas numa sala anexa e entregues através de portinholas. Cada participante responde perguntas por meio de um software, que coleta os dados para tratamento estatístico. No teto, as luzes podem mudar de cor, confundindo propositalmente os avaliadores quando a ideia for tirar o foco do aspecto visual da amostra.

“A ciência sensorial é muito ampla e a Cargill tem investido cada vez mais em capacitação do time do Centro de Inovação nessa área”, diz Cristina. “Temos pessoas treinadas e selecionadas no time técnico que realizam avaliações com amostras identificadas de forma a não saber qual produto está sendo consumido. Os testes são sempre codificados de forma randômica para que o provador não seja influenciado.”

Na sequência, um corredor leva ao Culinary Center, ao auditório e aos laboratórios. O primeiro é uma cozinha industrial completa para o desenvolvimento de receitas, treinamentos e suporte no desenvolvimento de produtos. No dia da visita, a equipe trabalhava num teste de fritura. Uma chef é responsável por realizar aplicações culinárias e conduzir testes de performance.

“Para novos produtos, o Culinary Center busca as informações de tendências de mercado, alinhadas à demanda do negócio para desenvolver referências que serão desenvolvidas nos laboratórios”, diz Cristina. “Com os produtos de mercado, é possível conduzir análises de performance aliando análises técnicas com aplicação culinária.”

Uma parede retrátil cria a possibilidade de integrar o Culinary Center ao auditório (com capacidade para 80 pessoas), de modo que os clientes possam acompanhar o processo e validar a preparação. Integrar os clientes, aliás, é uma proposta que define o projeto do Centro de Inovação. A arquitetura, amigável, favorece a transparência. No corredor, amplas vitrines dão vista para os laboratórios.

Estes estão dispostos em sequência: dairy & beverages (lácteos e bebidas); convenience food (para maionese, catchup, mostarda, molhos de salada, óleos e gorduras); bakery (pães, bolos, biscoitos e barras de cereal); confectionery (chocolates, pirulitos, gomas de mascar). São como plantas-piloto, onde processos industriais são reproduzidos em escala pequena. O de lácteos, por exemplo, dispõe de sorveteiras e um esterilizador UHT de pequeno porte para a produção de bebidas envasadas em embalagens cartonadas, como achocolatados.

Em termos de desempenho e saudabilidade, Cristina destaca a Lévia+e como um dos mais relevantes projetos da Cargill realizados no Centro de Inovação. “Trata-se de uma solução baixo trans e baixo saturados, 100% lipídica, que apresenta a mesma estrutura física de uma gordura tradicional nos atributos consistência e textura, mas com um conteúdo de gorduras saturadas significativamente reduzido.”

A Lévia+e, explica Cristina, pode ser aplicada em produtos que requerem estrutura, como recheios de biscoito, sorvetes, bolos e panetones, usando matérias-primas atuais, sem necessidade de investimento em novos equipamentos e com custo competitivo. Desenvolvido em parceria com a Unicamp, o projeto foi finalista no FI Innovation Awards 2016, concorrendo como ingrediente alimentício mais inovador.

Seguindo pelo corredor, chega-se ao laboratório de shelf life, com estufas, freezers e câmaras climáticas que permitem acelerar e monitorar a degradação dos alimentos, determinando de forma mais precisa o seu tempo de prateleira. Produtos destinados ao foodservice, por exemplo, são mantidos numa temperatura próxima a 35º C, de modo que é possível observar se houver ranço ou ocorrer alguma descoloração.

O projeto arquitetônico seguiu diretrizes ecológicas. Vãos preservam a claridade, diminuindo o consumo energético. “Além disso, vidros reflexivos também garantem a entrada da luminosidade e mantêm a temperatura interna agradável, reduzindo o uso contínuo do ar-condicionado”, diz Cristina. Os painéis pré-moldados de concreto curvo se adaptam ao relevo e contribuíram para uma menor geração de resíduos, na fase de obras. Os pisos são feitos com tacos de eucalipto de reflorestamento e os contra-pisos, produzidos com concreto ecológico, de garrafas PET.

Quer saber mais sobre o Centro de Inovação da Cargill? Então confira a entrevista em vídeo que fizemos com Daniel Silva, gerente de foodservice da empresa!