Os conteúdos digitais influenciam cada vez mais os hábitos alimentares e contribuem para a estigmatização da obesidade, especialmente entre usuários de medicamentos para emagrecimento. Essa é uma das principais conclusões de um estudo realizado pela consultoria Ilumeo, a pedido da farmacêutica Merck, fabricante do Contrave® (cloridrato de bupropiona + cloridrato de naltrexona), medicamento oral aprovado para o tratamento de adultos com obesidade ou sobrepeso.
O estudo sobre cultura digital e comportamento alimentar
Intitulado “Impacto da cultura digital nos comportamentos alimentares”, o estudo monitorou, ao longo de três meses em 2024, conversas no Instagram, Twitter e dados do TikTok para entender como o consumo de conteúdo nas redes sociais influencia os hábitos alimentares dos brasileiros.
Os principais resultados foram apresentados em um evento promovido pela Merck em fevereiro, em São Paulo, que contou com a presença de especialistas da área médica e influenciadores digitais. Entre os participantes estavam a diretora médica da Merck para Brasil e América Latina, Dra. Maria Augusta Bernardini; o professor da USP e sócio da Ilumeo, Otávio Freire; o diretor do Departamento de Endocrinologia do Exercício e do Esporte (SBEM), Dr. Cristiano Barcellos; e a nutricionista clínica Tarcila Campos.
O retorno da magreza extrema
O levantamento revelou que 54% das referências à obesidade nas redes sociais possuem conotação negativa, enquanto apenas 19% são positivas. O estudo também identificou que a obesidade é frequentemente associada a emoções como:
- Depressão (20%);
- Ansiedade (16%);
- Vergonha e culpa (10%).
Outro dado preocupante é a frequente associação de termos pejorativos à obesidade, como “nojo” (44%), “preguiça” (36%) e “falta de vontade” (6%). Esse tipo de discurso reforça a visão equivocada de que a obesidade é apenas uma questão de estilo de vida e que pode ser resolvida apenas com esforço individual.
Segundo Otávio Freire, a influência de conteúdos sobre emagrecimento tem aumentado com a volta da valorização da magreza extrema, tendência popular nos anos 2000. “Observamos um crescimento expressivo de conteúdos sobre perda de peso, muitas vezes de forma desordenada e sem acompanhamento profissional. Esses conteúdos frequentemente retratam o corpo gordo como algo a ser superado, reforçando padrões irreais de beleza”, explica Freire.
O reconhecimento da obesidade como doença
A Dra. Maria Augusta Bernardini ressalta que a obesidade ainda é erroneamente vista como uma questão estética, em vez de uma doença crônica. O Dr. Barcellos complementa que, embora seja reconhecida como doença pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a obesidade ainda é mal compreendida. “Ela tem causas genéticas, biológicas, ambientais e sociais. Por isso, o tratamento deve ser personalizado e baseado em evidências científicas”, afirma.
A pesquisa aponta que 80% das pessoas com sobrepeso ou obesidade acreditam ser totalmente responsáveis pelo próprio peso, ignorando o forte componente genético, que pode influenciar até 70% dessa condição.
Tendências e comportamentos no ambiente digital
O estudo identificou três principais “bolhas” nas redes sociais que influenciam comportamentos alimentares:
- Estigmatização da obesidade: Houve 134 milhões de interações relacionadas ao tema, sendo 39% delas ligadas ao preconceito contra pessoas em tratamento para obesidade.
- Influência emocional da comida: Foram registradas 128 mil interações que relacionam emoções negativas à alimentação, com menções frequentes a “tristeza”, “doce”, “felicidade” e “fast food”.
- Conteúdos de “emagrecedores profissionais”: Foram registradas 15 milhões de interações com influenciadores que promovem dietas milagrosas, muitas vezes sem embasamento científico.
O risco dos conteúdos prejudiciais
Conteúdos que promovem dietas extremas e estratégias não comprovadas de emagrecimento podem desencadear transtornos alimentares e outros problemas de saúde. A pesquisa indica que a exposição frequente a esses materiais aumenta o risco de vício em comida, “grazing” (beliscar excessivamente) e alterações emocionais, como tristeza e insatisfação com a própria imagem corporal.
“Embora muitos desses conteúdos sejam vistos como entretenimento, eles têm impactos reais na saúde das pessoas. A influência de influenciadores digitais nas escolhas alimentares e tratamentos para emagrecimento é preocupante, pois muitas vezes não há orientação profissional envolvida”, alerta o Dr. Barcellos.
Conscientização e responsabilidade na comunicação
A Dra. Maria Augusta destaca a necessidade de maior responsabilidade na divulgação de informações sobre alimentação e emagrecimento. “É essencial que profissionais de saúde avaliem o impacto do consumo digital na vida dos pacientes e orientem sobre os riscos da desinformação”, afirma.