Transformar resíduos em soluções sustentáveis tem sido uma das apostas mais promissoras da ciência — e a palha de milho, subproduto agrícola geralmente descartado, acaba de ganhar protagonismo em uma dessas inovações. Um estudo publicado no Biofuel Research Journal, conduzido por pesquisadores da Unicamp e da UTFPR, mostrou que é possível extrair compostos de alto valor com uma técnica limpa, eficiente e economicamente viável, usando apenas água como solvente.
A pesquisa utilizou a chamada “água subcrítica”, que permanece em estado líquido mesmo em altas temperaturas e pressões, para realizar a hidrólise da palha. Essa abordagem dispensa ácidos agressivos e ainda é capaz de quebrar os componentes lignocelulósicos do material — como hemicelulose, celulose e lignina — liberando açúcares, ácidos orgânicos e compostos fenólicos com propriedades antioxidantes, antimicrobianas e anti-inflamatórias. Essas substâncias têm potencial de aplicação em indústrias alimentícia, farmacêutica e de biocombustíveis.
O processo mostrou resultados expressivos: a extração de compostos fenólicos atingiu até 76,82 mg de equivalentes de ácido gálico por grama, superando em muito os valores obtidos por métodos com hidrólise ácida. Para os açúcares, os rendimentos foram ainda mais surpreendentes: 448,54 mg por grama de palha tratada, um volume seis vezes superior ao de técnicas convencionais. Já os ácidos orgânicos, como acético e fórmico, chegaram a 1.157,19 mg por grama, com potencial de uso na produção de plásticos biodegradáveis e conservantes naturais.
Além dos avanços técnicos, a equipe avaliou o desempenho ambiental e econômico da tecnologia. Por meio da métrica EcoScale — que pontua reações químicas de 0 a 100 com base em critérios ambientais, operacionais e de segurança —, o método alcançou impressionantes 93 pontos. Em comparação, outros processos que utilizam compostos como ácido sulfúrico e soda cáustica ficaram entre 54,63 e 85,13 pontos.
A análise técnico-econômica também reforçou a viabilidade da técnica. Considerando fatores como custo de insumos, energia e equipamentos, o estudo estimou um tempo de retorno do investimento entre quatro e cinco anos, especialmente quando o foco é a produção de açúcares voltados ao mercado de biocombustíveis.
De um resíduo comum a um insumo estratégico, a palha de milho ganha um novo papel em cadeias produtivas sustentáveis. Essa é mais uma evidência de como a pesquisa científica pode conectar inovação, economia circular e impacto positivo para o meio ambiente e para a sociedade.
Fonte: A Crítica