Na primavera do hemisfério norte de 2002, o antropólogo americano Michael Mascha recebeu uma notícia que mudaria radicalmente sua relação com as bebidas: seu cardiologista determinou que ele parasse de consumir álcool imediatamente. Apaixonado por vinhos e com uma adega recheada de 500 garrafas, Mascha viu seu mundo virar de cabeça para baixo.
Respeitando a ordem médica, ele se despediu temporariamente de seus rótulos preferidos e passou a brindar com água. Mas o vazio deixado pelo vinho — não apenas pelo sabor, mas pelos rituais de girar, cheirar, servir e compartilhar — o levou a buscar algo mais. Foi nesse momento que ele decidiu observar a água por outra perspectiva: a do prazer gastronômico.
Assim nascia um novo paradigma. Ao perceber a riqueza sensorial das águas minerais naturais — com sabores, aromas, texturas e potencial de harmonização com alimentos e bebidas —, Mascha fundou a plataforma Fine Waters, a Fine Waters Academy e lançou o livro Fine Waters – A Connoisseur’s Guide to the World’s Most Distinctive Bottled Waters, considerado pelo jornal britânico The Times como a “bíblia da água”.
Da hidratação à harmonização
Segundo a matéria do NeoFeed, a água deixou de ser apenas uma bebida insípida e passou a ser interpretada como uma experiência sensorial completa — com direito a sommeliers especializados, cartas de água em restaurantes estrelados e até bares dedicados exclusivamente à bebida, como o LEV, em Lisboa, e o Aqua Water Bar, em Dubai.
A comparação com o vinho e o café é inevitável: assim como eles, as águas premium são definidas pelo terroir e por sua mineralidade — medida em TDS (sólidos totais dissolvidos). Quanto menor o TDS, mais leve é a água; quanto maior, mais encorpada e intensa.
Hoje, as águas finas são encontradas em menus sofisticados. O restaurante La Pergola, em Roma (três estrelas Michelin), oferece cerca de 50 tipos diferentes. Já o espanhol O Lar do Leitón, em Ourense, possui a maior carta do mundo, com 160 variedades.
Uma bebida para cada prato
A harmonização entre água e comida é levada a sério por especialistas. O brasileiro Rodrigo Rezende, um dos sommeliers de água mais respeitados do país, afirma que águas com TDS superbaixo combinam perfeitamente com pratos japoneses. Já as de baixa mineralidade vão bem com risotos, enquanto as de mineralidade alta são ideais para carnes fortes, como o bife de costela maturado.
Michael Mascha propõe um raciocínio simples: pensar na água como um vinho. As de baixa mineralidade se assemelham a vinhos brancos; as médias a tintos leves; e as de alta, a tintos encorpados. Quando o menu inclui vinho, é possível harmonizar as duas bebidas de forma complementar — apenas cuidando para que a água esteja um pouco mais quente que o vinho, para não ofuscar seus aromas.
Do Brasil para o mundo
O Brasil também marca presença nesse universo sofisticado. Produzida na Serra da Mantiqueira, a água Cambuquira é naturalmente gaseificada, rica em minerais e já foi eleita uma das melhores do mundo. Ela custa cerca de R$ 7 a garrafa de 300 ml — um valor bem acima do mercado tradicional, mas ainda acessível para quem deseja experimentar a experiência da água gourmet.
Por outro lado, há exemplares que atingem cifras impressionantes. É o caso da alemã Nevas, o primeiro “cuvée de água” do mundo — mistura de duas fontes artesianas, com textura comparada ao champagne. Uma única garrafa de 750 ml pode ultrapassar os US$ 200.
Tendência líquida e luxuosa
De acordo com a consultoria Grand View Research, o mercado global de águas premium movimentou US$ 36,2 bilhões em 2024 e deve crescer 7,5% ao ano até 2030. Um ritmo bem mais acelerado do que o das águas engarrafadas tradicionais, projetadas para crescer 4,13% ao ano, segundo a Statista.
Essa transformação mostra que a água — antes subestimada — ganhou status de luxo, cultura e estilo de vida. No foodservice, ela representa novas possibilidades de inovação, experiência e valor agregado. Uma tendência que merece estar no radar dos profissionais do setor.
📌 Este conteúdo é baseado em reportagem do site NeoFeed.