A operação brasileira do McDonald’s chega aos 40 anos num momento desafiador para o país, com a retomada da economia em ritmo mais lento do que o esperado e um número expressivo de desempregados. Problemas para a marca? Não é o que mostram os números. O Instituto Foodservice Brasil (IFB) apontou, por meio de seu índice de vendas comparáveis, que, enquanto o crescimento dos negócios associados no primeiro semestre foi de 5,7%, no McDonald’s o percentual chegou a 9,4%. “Fizemos uma boa lição de casa”, diz Paulo Camargo, presidente da Divisão Brasil da Arcos Dorados, controladora do McDonald’s em 20 países.
Parte dessa tarefa foi definida a partir da decisão de entender o consumidor local e todos os aspectos da operação. Entre dezembro de 2018 e março deste ano, a companhia fez mais pesquisas do que nos últimos quatro anos. O trabalho mostrou, por exemplo, que era preciso oferecer diferentes tipos de atendimento para conseguir satisfazer perfis distintos de clientes. Porém, a adequação não foi a única mudança que fez o McDonald’s se descolar da economia fraca. Nos últimos três anos, a companhia vem investindo na reformulação e abertura de lojas e deve chegar a um aporte de cerca de R$ 1,25 bilhão.
No mês que vem, o McDonald’s chegará à sua milésima loja no Brasil. O endereço escolhido é a Avenida Paulista, no coração de São Paulo. Segundo Paulo Camargo, será um restaurante conceitual, diferente dos outros pontos. Veja os principais trechos da entrevista que o executivo concedeu aos Diários Associados:
Com a queda da atividade econômica no país desde 2014, e diante da guerra de preços no setor de alimentação, é preciso fritar mais hambúrguer do que nunca para melhorar os números?
Nem diria que existe uma guerra de preço. Diante da retração no consumo e da diminuição na confiança do consumidor, o varejo de uma forma geral e o setor de alimentação em particular tiveram de se adaptar. Costuma-se dizer que as pessoas precisam comer, por isso o setor é o último a sofrer, mas, nesse momento, os consumidores também precisam gastar menos.
A competição pelo cliente aumentou e se refletiu no preço?
Não é guerra de preço, mas ajustes foram feitos para atender um consumidor com mais dificuldade de chegar até o fim do mês com o seu salário. O McDonald’s, como uma das marcas mais democráticas do mundo, tem estratégia de oferecer soluções para todos os bolsos e gostos. Temos acompanhado esse movimento com muitas pesquisas. Foram mais pesquisas em quatro meses (de dezembro a março de 2019) do que nos últimos quatro anos para entender o que está acontecendo com o cliente. Fazemos isso de diferentes formas, por demografia, por hábito de consumo; tudo para compreender de forma adequada os consumidores. A partir daí nos adequamos, por exemplo, oferecendo a cada dia um sanduíche, o clássico preferido do consumidor, por R$ 7,90. Oferecemos também uma McOferta por R$ 19,90 ou um cheddar picanha na faixa de R$ 30.
Além dos preços, o que mais vem sendo alterado?
Nas pesquisas, entendemos que existe uma parcela importante do cliente muito mais tecnológica. Ele quer controlar como vai pedir, como vai pagar e onde vai comer, com o delivery fazendo parte dessa conversa. Outros querem usar o totem de atendimento e há, ainda, quem queira receber o pedido na mesa. Por isso, a experiência de atendimento tem de ser personalizada. Hoje, cerca de 300 restaurantes já têm o totem, por exemplo, mas não é só isso. Temos também um jeito de nos comunicarmos mais jovial e irreverente, preservando o jeito da nossa marca, que quer falar com todo mundo, porém, com mais proximidade, usando situações reais do cliente.
A empresa chegou aos 40 anos de Brasil. Que balanço faz dessa relação com o país?
A gente tem 40 anos de Brasil e se orgulha muito. Não chamamos de 40 anos, mas os nossos 4.0. São 160 trimestres de crescimento contínuo das receitas da operação brasileira. Decidimos comemorar abrasileirando o jeito de chamar o McDonald’s. Para isso, brincamos com uma campanha que provavelmente é a de melhor sucesso dos últimos anos. Pensei até na minha sogra, dona Dalmira, e nas amigas dela falando como chamariam o McDonald’s. É uma forma de conectar gerações e classes sociais.
Que lições a empresa tirou em quatro décadas de Brasil?
Lembro-me do meu pai, que não está mais vivo, quando fez seus 40 anos e me disse: ‘minha vida está começando agora’. Acho que gente aprendeu muito, tem muita história para contar e está celebrando em um momento de forma a oferecer mais conexão para as pessoas em um momento tão complexo do Brasil. As pessoas querem a experiência de fazer uma refeição legal, por um preço legal. É nisso que estamos investindo. No triênio que termina este ano, investiremos R$ 1,25 bilhão em novas lojas. A maior parte foi destinada à modernização. Os restaurantes deixam de ter o conhecido telhadinho e passam a ter novos elementos de inovação. Na verdade, temos estimulado a desestruturação. Dona Dalmira, por exemplo, não quer ser atendida pelo totem. O atendimento ocorre da mesma forma com que os funcionários falam com amigos. Estamos tornando a comunicação mais fluida.
Foi preciso rever projeções para 2019? No início do ano, o senhor declarou que a rede geraria cerca de 18 mil vagas. Como estão esses números?
Como nossas pesquisas começaram em dezembro, nossa performance atingiu nível superior ao dos concorrentes. Sinal de que compreendemos muito bem o cliente. Esses números são confirmados pelo Instituto de FoodService Brasil, que reúne as redes do setor. No primeiro semestre, o índice de vendas comparáveis mostrou crescimento do setor de 5,7%, enquanto o nosso foi de 9,4%. Estamos um pouco melhor do que esperávamos pela boa lição de casa que fizemos.
E quanto aos empregos?
Quanto aos empregos, o que vamos gerar será parecido com o previsto. E, agora, estamos nos preparando para inaugurar, em outubro, a loja de número 1.000, na Avenida Paulista. Escolhemos esse endereço porque sabemos da importância da avenida para os paulistanos e para os brasileiros. Vai ser um restaurante com menu, arquitetura, uniforme e tecnologia diferenciados.
O que o senhor esperava do Brasil em 2019, com um novo governo?
Estava mais otimista. Como qualquer brasileiro, a gente às vezes é otimista demais. Esperava que o Brasil avançasse mais, como mostravam as indicações apresentadas pelos bancos. O mercado, por sua vez, esperava que o governo tivesse avançado na modernização do Brasil. Agora, a bola da vez são os aspectos tributários. O país precisa se modernizar. O governo tentou avançar, por algumas razões fomos otimistas demais. Para piorar, o mundo não está ajudando, porque essa disputa dos Estados Unidos com China impacta a todos.
Os jovens ainda querem o McDonald’s como porta de entrada para o mercado de trabalho ou isso vem mudando desde a geração Y e agora com a geração Z?
Somos orgulhosamente o maior gerador do primeiro emprego desse país. O McDonald’s não é, necessariamente, o lugar no qual os jovens vão ficar para a vida toda. Para poder vender um sanduíche a R$ 7,90, pagamos salário 10% superior ao salário mínimo, acima do mercado e com plano de benefícios. Muitas das pessoas vão passar por aqui, adquirir experiência e depois partir para um outro negócio. Mas, não temos sentido mudanças negativas, ao contrário.
O turn over (rotatividade de funcionários) caiu pela metade nos últimos quatro anos. Temos, hoje, um funcionário mais conectado com a empresa em diferentes frentes, e com a humanização cada vez maior desse processo. Orgulhosamente, somos a segunda marca do varejo mundial. A primeira é a Amazon, que tem o CEO e fundador Jeff Bezos, ex-funcionário do McDonald’s.
Até que ponto algumas inovações discutidas hoje, como delivery feito por drones, vão prosperar?
O uso do drone, nesse momento, é muito mais como piloto ou marketing para podermos dizer que estamos conectados, mas vai levar um período para acontecer. Nesse momento, não é real. O que funciona, hoje, no delivery é o mesmo jeito dos últimos anos, com motos. Mas há muita tecnologia melhorando o processo logístico. Hoje, sabe-se quanto tempo o entregador leva para chegar à casa do cliente ou quanto tempo ele espera no restaurante, o que mostra ineficiência.
O que, de concreto, a companhia fez até agora para reduzir o consumo de matérias-primas, como plástico e papel?
Há vários projetos e estudos em curso. Como fazemos parte do sistema McDonald’s, estamos sempre alinhados. No ano passado, o McDonald’s foi capa da Fortune (revista americana de grande circulação) ao anunciar que não compraria mais ovos de galinhas criadas em gaiolas. Por aqui, isso vai começar a fazer parte de um projeto-piloto no Paraná em breve. Temos um compromisso social com o planeta de dar bons exemplos, usando nosso tamanho, nossa escala para o bem. Temos o compromisso com a diminuição do plástico e a compra de carnes de áreas de manejo sustentável.
O McDonald’s tem um compromisso global de adotar estratégias sustentáveis para embalagens e recicláveis até 2025, com todas as embalagens originadas de fontes renováveis ou certificadas. O Brasil já alcançou a meta. Para ser fornecedor, passa por aprovação inicial e depois por auditorias.
A pressão por opções mais saudáveis de alimentação tem sido crescente. Como a empresa vem reagindo a essa mudança?
Temos, nas lojas, o Programa Portas Abertas, pelo qual chamamos os clientes para entrar em nossa cozinha diariamente. Ali, eles conhecem os nossos segredos, como o hambúrguer que é 100% de carne, sem conservantes ou aditivos, e sem minhocas (risos). É a oportunidade de tocarem a alface, o pão e de verem que é preciso quebrar o ovo para fritá-lo, como em qualquer cozinha de casa. Temos a salada há mais de 20 anos, hoje com mais variedades, portanto, não há nenhuma novidade nisso.
As pessoas falam que querem comer uma salada quando acordam pela manhã? Não. O McDonald’s cumpre uma outra função na vida das pessoas. Tem uma variedade de opções para as pessoas escolherem. Se a pessoa quer comer uma saladona, certamente vai a outro lugar.
* Com informações do jornal Estado de Minas
(Foto: divulgação)