Me formei há 24 anos em Nutrição e meu primeiro emprego foi em um restaurante de refeições empresariais. Assumi a posição de nutricionista de produção e, dentre as minhas atividades, estavam: elaboração do cardápio, quantificação para o pedido de compras de produtos de estocáveis e cárneos a ser efetivado pelo estoquista, treinamentos, supervisão técnica da produção e distribuição.
Fácil, né? Aparentemente, sim! Processos já desenhados, rotina estabelecida, uma empresa bastante estruturada. Porém, eu era responsável pelo famigerado “pedido de hortifrutis” que deveria ser feito todos os dias.
Como o sistema do restaurante não permitia grande previsibilidade sobre as preferências dos consumidores, a ordem era fazer a contagem dos itens diariamente e complementar o pedido com o que fosse necessário, fazendo o melhor para não faltar e nem sobrar demais.
Tínhamos um único fornecedor que não garantia negociações de longo prazo, entregava nos horários adequados para ele e que exigia a efetivação do pedido até 12h por telefone, ou seja, em um horário crítico de supervisão e acompanhamento da operação, o que tornava meus dias bem estressantes. Mas não interessava. Nós precisávamos dos produtos e a ordem era nos adequarmos. Como o nosso restaurante era em Cotia, não podíamos “incomodar” o fornecedor para ele não desistir da rota.
De 1997 para cá, muita coisa evoluiu. Aumentou a competição entre fornecedores de produtos frescos para o foodservice e produtos congelados e pré-higienizados ganharam espaço pela qualidade e competitividade. A evolução dos modelos de gestão exigiu realizar de duas a três cotações e, dessa forma, mais proatividade dos fornecedores.
Mas, pasmem! Os pedidos continuavam a ser feitos por telefone. Com a chegada do WhatsApp, muita coisa feita por lá.
Isso tudo parecia “normal” até a chegada da pandemia. Fase de máximo questionamento. Dependendo do perfil do negócio, os custos com hortifruti têm altíssimo impacto.
O elo de abastecimento de produtos frescos talvez fosse o menos digitalizado da cadeia de foodservice e, nos últimos seis meses, tenho recebido contatos de empresas como a “Da Horta Pra Porta”, startup dedicada ao fornecimento de produtos frescos para o foodservice, com aplicativo próprio para pedidos, solução de curadoria, apoio técnico integrado, entre outros diferenciais.
Conheci a Pingo também. Eles fornecem uma proposta de valor agressiva em custos, por conectarem os produtores diretamente com os restaurantes. Tive oportunidade de conversar com a Cia Tradicional de Comércio, cliente da Pingo, e a redução de custos foi na casa dos dois dígitos, ou seja, extremamente importante neste momento de mercado. Novamente, os pedidos são por aplicativo.
Outro player, esse já bem maior, é a Frubana, de origem colombiana, com desejos mais agressivos em relação ao mercado brasileiro, ótima tecnologia embarcada e com atuação pivotada do hortifruti para uma plataforma de distribuição que hoje integra múltiplas ofertas para os clientes. Possui um clube com destaque a serviços adicionais para pequenos e médios operadores.
Se em 1997 eu estava refém do modelo do fornecedor, há três anos as evoluções poderiam ser classificadas como pequenas. Nesses 15 meses de pandemia, os donos e gestores de negócios de alimentação abriram-se às possibilidades tecnológicas para o aumento da eficiência operacional.
Pré-pandemia, essas e outras iniciativas poderiam ter “morrido na praia” por causa da resistência dos empresários do setor. Em palestra que fiz recentemente para o Canal Restaurante, eu reforço o mindset como a maior barreira para a transformação digital no foodservice.
Para quem ainda não deu o segundo, terceiro ou vigésimo quinto passo (estou certa de que todos já deram o primeiro), é hora de exercitar o seu mindset de líder e integrar a tecnologia no abastecimento dos produtos frescos também ao seu negócio. Isso deve gerar maior eficiência por conta da desintermediação, além de impacto social aos pequenos produtores.
Seja líder!
Cristina Souza é CEO da Gouvêa Foodservice
Fotos: Envato e Divulgação